YOGA É RELIGIÃO?


(O intuito deste texto é apenas reflexivo e não tenciona chegar a qualquer resposta ou conclusão em relação à pergunta-título.)

O Katha-Upanishad é um texto que é tido, em geral, como o mais antigo a tratar explicitamente do Yoga. Segundo Georg Feuerstein:

"O desenvolvimento das novas doutrinas yogues se dá, no texto, em torno de uma antiga lenda: certa vez, um brâmane pobre ofereceu aos sacerdotes, como taxa de sacrifício, algumas vacas velhas e fracas. Seu filho Naciketas, preocupado com o destino do pai na outra vida, ofereceu-se a si mesmo como oferenda mais digna. Despertou com isso a ira do pai, que enviou-o a Yama, soberano do mundo da morte. Yama, porém, estava ausente, e Naciketas teve de esperar três dias sem comer nem beber até que o poderoso deus voltasse ao seu reino. Satisfeito com a paciência do rapaz, Yama concedeu-lhe três pedidos. Primeiro, o rapaz pediu que fosse devolvido vivo ao seu pai. Depois, pediu para conhecer o segredo do fogo sacrificial que leva ao céu. Por fim, insistiu em conhecer o mistério da vida após a morte. Yama procurou fazer o rapaz desistir do terceiro pedido, oferecendo-lhe em lugar dele outras coisas aparentemente muito mais interessantes, como filhos e netos, uma vida longa, rebanhos imensos, a convivência com as ninfas celestes etc. Quando viu que Naciketas jamais desistia do pedido, Yama passou a instruí-lo no caminho da emancipação. Num certo nível, a história retrata a determinação que os que buscam a espiritualidade têm de ter no caminho, desafiando até mesmo a morte. Num outro, representa o processo iniciático, que exige reclusão, o jejum e o confronto com a morte."
Nesse texto, os ensinamentos transmitidos por Yama (simbolizando o mestre) a Naciketas (que simboliza o aspirante ou discípulo), no caminho da emancipação, revelam que o Yoga é esse árduo caminho.

O primeiro grande significado do Yoga é o de ser uma via da espiritualidade que demanda determinação, aplicação e disciplina, e não, propriamente, o de ser mais uma forma de religião como a concebemos na atualidade. Tanto que a doutrina proposta pelo Katha-Upanishad é chamada de Adhyatma-Yoga - o Yoga do Si Mesmo Profundo.

Swami Vivekananda (quem oficialmente apresentou o Yoga ao Ocidente em 1893) assim descreve o surgimento do Yoga:

"Assim, o homem, depois de suas buscas vãs de vários deuses, completa o ciclo e descobre que o Deus imaginado por ele como sentado no céu, governando o mundo, é seu próprio Eu. Nenhum outro, a não ser o Eu, era Deus, e o pequeno ‘eu’ jamais existiu." 

Ao constatar a existência de um Eu Superior (em sânscrito Atman), cuja manifestação interior é a própria essência do Yoga, nas palavras de Swami Vivekananda, o homem percebe a possibilidade de um Deus não-pessoal, isto é, de um Deus não-dogmático, cuja forma e comportamento não se encaixam especificamente em nenhuma das grandes religiões da humanidade, se bem que não exclua a nenhuma delas. Inclui-se aqui o Hinduísmo, que, segundo algumas análises, de fato não incorporou o Yoga entre suas práticas - embora um dos textos consagrados ao Yoga, o Bhagavad Gita, seja um dos capítulos mais conhecidos do Mahabharata, a epopéia da Índia e do Hinduísmo.

A palavra Deus no Yoga não se relaciona ao seu sentido apenas religioso, mas especialmente ao seu sentido metafísico e transcendental. Ainda de acordo com Georg Feuerstein:

"Deus, nesse sentido, não é o Deus Criador das religiões deístas, como o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo. Antes, Deus é a totalidade transcendental da existência... ."

E, ainda, como bem salientou Swami Sivananda:

"A prática de Yoga não se opõe a nenhuma religião. Ela é puramente espiritual e universal. Não contradiz a fé sincera de ninguém. O Yoga não é uma religião, mas um auxílio à prática das verdades espirituais básicas em todas as religiões. O Yoga pode ser praticado por um Cristã ou um Budista, um Muçulmano, um Sufi ou um ateu."