OLHANDO AS RODAS RODANDO

Certa vez, uma aluna me disse que estava se sentindo frustrada por não estar utilizando seu tempo livre para fazer coisas mais produtivas. Para uma certa surpresa dela e dos demais presentes, disse-lhe que, talvez, ela devesse considerar a possibilidade de continuar exatamente assim: sem fazer nada que pudesse ser considerado como "produtivo". E disse-lhe também que em certos momentos da vida, nada é tudo o que se tem a fazer.
Pode ter sido muita pretensão de minha parte ter dito isso, mas, imediatamente, me lembrei de John Lennon e de seu desabafo na canção Watching the Wheels. Ele foi severamente criticado quando resolveu simplesmente ficar básicos cinco anos cuidando de seu recém-nascido filho Sean e da casa, fazendo pães, enquanto Yoko Ono tocava os negócios. Posso ouvi-lo dizendo:
"As pessoas dizem que sou louco por fazer o que estou fazendo. Elas me dão todo o tipo de conselhos para me salvar da ruína. E quando lhes digo que estou bem, elas me olham de um jeito estranho. As pessoas me fazem perguntas, mas estão perdidas e confusas. E então digo a elas que não existem problemas, apenas soluções. Aí elas balançam a cabeça e me olham como se eu tivesse perdido o juízo. Digo a elas que não há motivo para se ter pressa, que só estou aqui sentado passando o tempo. Só estou aqui sentado olhando as rodas rodando. Eu simplesmente adoro vê-las rodando.” (1)
Não sei se essa foi uma boa sugestão, mas, inúmeras vezes, sentimo-nos frustrados e culpados apenas pelo fato de podermos estar à vontade e sem pressa na vida.
Sem exacerbados acessos de culpa, talvez devêssemos considerar que quando temos tempo livre e não precisamos nos sacrificar constantemente pela manutenção de nossa existência material, estamos, de algum modo, imersos numa dádiva. Confortavelmente, podemos fazer como o John: apenas desfrutar o tempo e observar as rodas rodando.
Nota (1): Fiz a tradução da letra original da canção.