COM QUANTOS PAUS SE FAZ UMA CANOA?


(Compartilho esta memória da minha infância e primeira juventude permeada e inspirada pelo Yoga.)

Sempre tive curiosidade de saber. Se bem que, obviamente, depende muito do tamanho da canoa: se pequena, média ou grande. 

Toda vez que eu inventava alguma arte, meus pais e avós sempre falavam isso para mim: que iam me mostrar com quantos paus se fazia uma canoa. Aí eu parava, ficava esperando, mas nada de canoa! Aí eu me cansava de esperar para ver a canoa e voltava a fazer uma outra arte. E era quando ela (a canoa!) voltava à cena:

- Você está querendo mesmo ver com quantos paus se faz uma canoa, não é mocinha?

Achei que isso já estivesse mais do que explícito para eles, mas, mesmo assim, nadica de nada de canoa!

Com o passar do tempo, deduzi que essa tal canoa devia estar flutuando em algum lugar obscuro do planeta, num rio de águas negras e tortuosas, à deriva da vida. Uma espécie de canoa mal assombrada nunca antes navegada. Uma inacessível canoa, foi nisso que ela se transformou. Uma onírica canoa, como num auto do inferno. Porém, uma resistente canoa, praticamente indestrutível.

Com o passar de mais alguns anos, a imagem da canoa foi ficando mais amena, mais serena, mais pequena e mais distante também. Por alguns períodos, ela chegou a desaparecer completamente, como se nunca tivesse existido. Cheguei a perder minha memória da canoa, minhas lembranças dela. Quando me dei por conta, estava, junto com a minha canoa, perdendo contato com o fascínio e o encantamento.

Minhas travessias ficaram bem mais desinteressantes sem ela, desidratadas. O fluído, que lhe servia de condutor, estava se esvaindo. O frio gostoso e estimulante na barriga estava se transformando em puro medo - um medo enorme da canoa virar e de eu desaparecer para sempre, como se nunca tivesse existido. 

Foi quando, num fim de tarde de outono, deitada em Savasana no chão do quintal de casa, olhando as nuvens do céu, vislumbrei a minha canoa: minha boa e velha canoa ainda estava lá, embora estivesse diferente. Procurei a coisa diferente e achei: eram os remos!

Minha canoa, antes apenas uma canoa desmembrada e desarticulada, tinha agora um par de remos, como braços esperando para me abraçar. 

Quanto aos paus, ainda não descobri com quantos se faz uma canoa... Mas resolvi remar.